Introdução aos mecanismos de autossabotagem – Uma visão psicanalítica

Por Isaias Costa

sabotagem

É com grande alegria que compartilho com todos os leitores um artigo mais longo que escrevi como um requisito para a conclusão do curso de formação em Psicanálise que iniciei em 2015 e estou concluindo em dezembro de 2017.

Como eu sei que essa é uma temática que interessa a muita gente, por ser um tema universal, a AUTOSSABOTAGEM, decidi compartilhar o artigo completo com todos vocês!

Por ser mais extenso, recomendo que você o imprima, para a leitura se tornar mais agradável. Pensando nisso, fiz questão de disponibilizar o link com o arquivo em PDF para baixar e imprimir! Está logo abaixo, é só clicar!

Tenha uma boa leitura

Introdução aos mecanismos de autossabotagem 

  • INTRODUÇÃO

 Este é um breve ensaio sobre o tema da autossabotagem e suas várias faces numa visão psicanalítica.

Por se tratar de um tema extenso e multifacetado, tratarei apenas de alguns pontos, que certamente poderão ser esmiuçados e estendidos em outros artigos.

A autossabotagem está presente em 100% das pessoas e em muitos casos ela até pode trazer ganhos pessoais, que são os chamados ganhos secundários, subtema que será desenvolvido num tópico posterior.

Pela Psicanálise, priorizando as obras de Freud e também com a contribuição de outros pensadores, vê-se claramente que os mecanismos autossabotadores estão relacionados com diversas crenças negativas que foram aprendidas na infância e com o passar dos anos foram se cristalizando na psique, por isso a importância da análise para melhor compreender a origem dessas crenças.

O comportamento preguiçoso é também um forte influenciador na autossabotagem e tem sua origem em um sentimento de medo que se estendeu por um longo tempo, o que será desenvolvido em um tópico posterior.

Este artigo serve como base para o desenvolvimento dos estudos psicanalíticos, com ênfase no comportamento humano.

  • O QUE É A AUTOSSABOTAGEM?

De acordo com o palestrante e terapeuta André Lima, autossabotagem pode ser definida como: “Todos os comportamentos negativos, que trazem prejuízos aos nossos relacionamentos, saúde física e desenvolvimento profissional e têm como base sentimentos negativos guardados. São crenças, pensamentos, emoções e problemas de autoestima que ficam gravados em nós. Essa negatividade vai se acumulando durante a nossa vida através de eventos que vivemos, de coisas que ouvimos (da família, sociedade, religião, professores, pessoas importantes, imprensa…), de experiências e comportamentos de terceiros que testemunhamos etc”(1).

Em resumo, a autossabotagem tem origem nas crenças que nos foram transmitidas desde a mais tenra infância, por isso a necessidade de se fazer um elo com a Psicanálise, que analisa as mazelas humanas a partir da primeira infância até a vida adulta.

É preciso dar uma ênfase maior às crenças negativas arquivadas na memória das crianças e que acabaram se refletindo em suas vidas adultas. A seguir será feita a abordagem de algumas das diversas crenças negativas aprendidas na infância.

  • Crenças negativas aprendidas na infância

Com relação ao dinheiro

Principalmente nas famílias financeiramente mais pobres, existem crenças negativas muito fortes com relação ao dinheiro. Entre as diversas frases proferidas pelos pais temos: “O dinheiro é sujo”, “dinheiro não traz felicidade”, “é preciso muito esforço para conseguir o dinheiro”, “quem ganha muito dinheiro é porque roubou de alguém”, “dinheiro demais só traz dor de cabeça”, “é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha que um rico entrar no reino dos céus”.

Se uma criança passa toda a sua infância escutando tais afirmações, a probabilidade de ela se tornar uma adulta que só enxerga dificuldade com relação ao dinheiro é imensa. Ela terá muita dificuldade de ascender profissionalmente, de se dar o direito de ter muitos bens materiais, de trabalhar com alegria e leveza etc.

Em muitos casos, a autossabotagem em relação ao dinheiro está atrelada também ao sucesso profissional. É comum, uma pessoa que por ter crescido com todos os padrões limitantes ditos anteriormente, mesmo sendo uma boa profissional, não se sentir merecedora de ter um grande salário, porque sente que esse dinheiro pode corrompê-la, já que para ela “quem ganha muito dinheiro não o ganhou com honestidade”. E com essa tendência perde oportunidades de se promover, se acomoda numa mesma função em uma empresa, deixa de conhecer o exterior por medo de que essa oportunidade a torne arrogante, entre outras perdas.

Nesse tipo de sabotagem é possível perceber a conhecida máxima sobre “honrar os pais”. Muitos jovens se sentem envergonhados em ter alcançado mais sucesso financeiro do que os pais, e quando percebe isso crescendo dão um jeito de “frear” a prosperidade, contentando-se com bem menos do que poderiam. É preciso haver uma reprogramação mental para entender que é preciso honrar os pais apenas naquilo que contribui com o crescimento pessoal, com a ética, com o bom convívio, com a harmonia, a felicidade etc.

Todos esses processos autossabotadores precisam ser tratados através de terapia ou análise, com um psicólogo ou psicanalista, para que eles possam investigar na raiz as crenças limitadoras que impedem a pessoa adulta de crescer em termos financeiros.

Com relação ao campo profissional

Por estarmos no século XXI, pouco a pouco, muitas das crenças negativas com relação às profissões estão perdendo a sua força e influência. No passado elas tinham um poder bem mais decisivo na escolha profissional de grande parcela da população.

Uma crença extremamente difundida era a de que “só poderia ser bem sucedido quem fizesse Medicina, Direito ou Engenharia”. Tal concepção perdurou fortemente por séculos a fio. Para mudar essa concepção errônea é preciso muito tempo e incentivo por parte principalmente das escolas, para levarem os estudantes a decidirem suas vocações de acordo com seus perfis pessoais.

Esta é outra autossabotagem bastante presente, principalmente por vivermos em uma sociedade capitalista dominada pelo lucro acima de tudo e que enfatiza o status social em vez da realização profissional.

Se alguém possui um emprego no qual fatura muito dinheiro, essa pessoa é bem vista e respeitada em todos os ambientes, porém se ela possui um emprego no qual ganha pouco, quase sempre é rejeitada em ambientes mais ricos e não possui uma série de benefícios e privilégios típicos das pessoas ricas.

Um exemplo simples são as pessoas que optam pela carreira artística, como teatro, dança, música ou pintura. No geral, tais profissionais não ganham muito dinheiro e nem são muito respeitados perante a sociedade, porém, seus ofícios são fundamentais para o desenvolvimento da cultura, elemento que infelizmente não é valorizado como deveria.

Se as pessoas que verdadeiramente têm vocação para determinada área tivessem convicção de que atuando nelas seriam plenamente felizes, muitas das neuroses e crises existenciais deixariam de existir, além de muitos pacientes diagnosticados com depressão deixariam de ser deprimidos.

Com relação à sexualidade

Esse ponto é bastante extenso e rico de conteúdos. O Freud na sua obra “Três ensaios sobre a sexualidade”(2), explica e desenvolve as teorias sobre as cinco fases de desenvolvimento da criança, que são as fases: oral, anal, fálica, latência e genital. Tais fases não serão abordadas com profundidade neste artigo por não se tratar do cerne do seu conteúdo.

No entanto, compreender essas fases é fundamental para conhecer muitas neuroses que são manifestadas na vida adulta e têm suas origens em transtornos vivenciados nestas fases de desenvolvimento.

Processos de autossabotagem em relação à sexualidade são extremamente comuns entre os homossexuais, pois eles recebem desde os primeiros anos de vida uma espécie de cartilha que diz que o homem deve se relacionar com uma mulher e vice-versa.

Infelizmente, ainda vivemos em uma sociedade arcaica no que diz respeito à vivência da sexualidade saudável e sem preconceitos. Por séculos e séculos esta visão, que tem uma base religiosa, foi introjetada na mente das pessoas e transferida de pai para filho no processo educativo, resultando em uma série de transtornos e neuroses. Aprofundamentos nesse tópico podem ser lidos no interessante livro “A História da sexualidade”(3), de Michel Foucault, no qual ele explica em três volumes, detalhadamente, o surgimento e crescimento de inúmeras neuroses sexuais.

Além disso, há também uma grande falta de preparo dos pais no processo educativo ao longo do desenvolvimento destas fases.

Se, por exemplo, uma criança é desmamada antes do tempo, ela certamente crescerá com uma série de carências afetivas relacionadas à fase oral. Se outra criança é reprimida pelos pais entre os 3 ou 4 anos de idade ao fazer cocô, sendo olhada com reprovação, ela também poderá desenvolver transtornos relacionados a fase anal etc.

É preciso que os pais busquem orientação psicológica e educacional de crianças, para que estas venham a se tornar adultas com mais equilíbrio e harmonia.

Com relação às religiões

Há uma forte relação entre as neuroses da sexualidade e as crenças religiosas, principalmente por estarmos no Brasil, onde as religiões mais professadas são a cristã católica e a cristã evangélica.

Estas religiões têm uma série de preceitos e dogmas no que se trata da sexualidade. Entre elas está muito enraizada o sexo somente depois do casamento.

Existe uma cultura do medo que espalha a ideia de que quem faz sexo antes do casamento não recebe a benção de Deus, ou pior que isso, que vai para o inferno.

Quando uma criança escuta mentiras absurdas como essas, são geradas tensões enormes que só com muita busca pelo autoconhecimento ou acompanhamentos psicológicos ela pode ressignificar e se tornar uma adulta equilibrada em sua sexualidade.

Entre as diversas consequências das imposições religiosas sobre as crianças estão o sentimento de culpa, o medo de se relacionar afetivamente, a timidez excessiva, a frigidez nas mulheres, a impotência nos homens e uma série de outros fatores que tem origem em crenças negativas absorvidas e fixadas na memória.

Outra autossabotagem comum são as pessoas que adiam a possibilidade de se casarem por medo dos preceitos religiosos, entre eles está a famosa frase: “Até que a morte nos separe”. A vida moderna já deu claras provas de que é muito difícil para o equilíbrio dos relacionamentos fazer uma promessa de tamanha magnitude como essa.

Estudos já comprovaram que atualmente estão crescendo o número de divórcios, como uma recente pesquisa do IBGE, que afirma que os divórcios aumentaram 75% em cinco anos(4), um número alarmante e preocupante.

As crenças religiosas precisam ser melhor refletivas e transmitidas às futuras gerações, para que muitas das atuais neuroses e angústias não se alastrem. Aprofundamentos nesse tópico também podem ser lidos na obra supracitada, “A História da sexualidade”.

Com relação aos padrões de pensamento da família

Um grande sabotador interno da grande maioria das pessoas é o padrão de pensamento adquirido pela educação familiar. Tudo que se leva para a vida adulta foi aprendido e reforçado pelos pais principalmente no período da infância.

Por exemplo. Se um indivíduo vem de uma família pobre e que foi incutido em sua mente que a pobreza dignifica o homem, que ser rico é feio etc. Mesmo que ele seja alguém de grande talento, aptidões, facilidade para aprender e se desenvolver, em algum momento ele vai acabar se sabotando para honrar esse padrão de pensamento de escassez.

É comum acontecer de uma pessoa se destacar no trabalho, dessa forma ganhar um carinho e admiração da chefia ou coordenadoria, e quando ela é chamada para algo mais aprimorado, que tenha um grau de exigência maior, esta nega a promoção, ou pede demissão do trabalho, dentre outras possibilidades.

Só mesmo através de ferramentas terapêuticas para eliminar do subconsciente tais registros. Nessa hora a Psicanálise se faz bastante útil e pode trazer grandes benefícios para essa virada de chave subconsciente.

Esses padrões também são muito fortes em relação ao desenvolvimento de doenças, principalmente as consideradas hereditárias como a diabetes. Segundo a Metafísica da Saúde ou Linguagem do Corpo, as doenças hereditárias na realidade têm como causa primária os padrões repetitivos de pensamento passados de geração em geração.

A professora e escritora Cristina Cairo aborda extensamente esse quesito na sua coleção de livros sobre a Linguagem do Corpo. Esse ponto sobre hereditariedade é mais abordado no Vol 2. Abaixo está transcrito um pequeno trecho do capítulo do qual ela aborda a hereditariedade.

“Pela linguagem do corpo conheci meus medos, teimosias e defeitos de caráter, enxergando, que a herança que eu carregava física e mentalmente era consequência do meu comportamento e que, se eu interrompesse essa transmissão ambiental absorvida pelo meu subconsciente e invertesse minhas atitudes plagiadas devido ao meu convívio familiar, certamente chegaria àquilo que poderíamos chamar de antídoto contra o mal dos genes. Foi o que fiz, com determinação e confiança e, com isso, meu corpo transformou-se para melhor, tanto em formato quanto em saúde e alcancei, consequentemente, a paz de espírito que não tem preço.” (5)

Pelo relato da autora, é possível constatar que uma mudança de padrões de pensamento pode levar a uma cura completa do corpo físico, inclusive de doenças sérias como a diabetes, já citada, entre outras. Ter a disposição para olhar para dentro de si e encarar o que precisa ser mudado, infelizmente, é para poucos. Não é à toa que o número de pessoas doentes que culpam os pais, a família e a genética seja tão absurdamente alto.

Com relação ao corpo e à estética

A sociedade na qual estamos inseridos criou um padrão de beleza doentio e afirma que só é bela a pessoa que for magra. As grandes mídias são as principais responsáveis por espalhar esta ideia, pois as novelas, os programas de palco e acima de tudo, as propagandas, dizem que só são belas as pessoas magras.

As crianças passam toda a infância sendo bombardeadas com essa crença e crescem com um medo imenso de ficarem gordas e serem excluídas da sociedade.

Esse problema é tão sério que existe até mesmo empresas que não contratam uma pessoa pelo fato de ela ser gorda. A psique de todos que sofrem essas rejeições acaba se tornando extremamente autocrítica e a partir daí diversas neuroses se desenvolvem.

As neuroses mais comuns relacionadas a isso são a bulimia (vomitar de forma provocada os alimentos ingeridos) e a anorexia (não se alimentar por ter uma noção distorcida de ser uma pessoa gorda).

Apenas com processos terapêuticos esses transtornos psíquicos podem ser curados. Esses são, sem sombra de dúvida, processos sabotadores. A pessoa não se permite ter o prazer de se alimentar. As que têm bulimia às vezes até comem bem, mas depois sentem muita culpa e forçam o vômito para que aquele alimento não seja digerido.

As pessoas que tem anorexia se olham no espelho e veem uma pessoa gorda. Desta forma ficam se martirizando e tal martírio atua diretamente nos hormônios do corpo que ativam a fome, inibindo-os. Por isso que a pessoa passa muitas horas ou até mesmo dias sem comer.

Há um livro excelente que aprofunda as neuroses anorexia e bulimia. Um livro do psiquiatra e escritor Augusto Cury intitulado “A ditadura da beleza e a revolução das mulheres”(6), no qual ele coloca diversos casos clínicos por ele tratados e expõe de forma clara e reflexiva os dramas dos que sofrem desse distúrbio e também dos familiares e amigos dessas pacientes.

Abaixo está um pequeno trecho desse livro que revela a angústia de um pai em ver sua linda filha perder peso e estar à beira da morte por inanição.

“Querida Sarah, amante da vida. Quem lhe escreve é um pai desesperado, abatido, infeliz. Sou advogado e tenho grande sucesso profissional, mas estou falido emocionalmente. Tudo o que mais amo nesta vida, minha pequena filha Rosie, está morrendo diante dos meus olhos sem que eu consiga fazer nada. Rosie está com anorexia nervosa e se recusa a comer porque não quer engordar.

Cobrei demais que ela emagrecesse quando estava gordinha. Tinha medo de ela não ser aceita socialmente. Hoje, choro ao ver seu corpo caquético e imploro para que ela se alimente, mas minhas palavras não encontram eco no seu coração. Ela resiste a todos os tratamentos.”

Esse é apenas um lado da moeda, existe o caso oposto, o das pessoas que estão acima do peso, ou seja, estão no sobrepeso ou mesmo obesas, e querem emagrecer, porém, sabotam-se de inúmeras maneiras. Existem dezenas de mecanismos sabotadores para ao emagrecimento. Citarei aqui apenas alguns de grande relevância.

Por exemplo, a pessoa decide emagrecer e mudar seus hábitos alimentares, mas dentro de casa ninguém colabora para isso. Todos continuam se alimentando das mesmas comidas engordativas e não se dão o mínimo esforço de acompanharem aquela que decidiu mudar os hábitos. Nesse caso, é como se ela estivesse “remando contra a maré” e em muitos casos acaba sucumbindo à vontade de continuar com a mesma alimentação e também se desestimula, já que os outros não se importam com a sua mudança.

Outro padrão que não é tão comentado é entre os cônjuges ou namorados. Quando um está acima do peso e decidi emagrecer, mas o outro ou outra não tomou a mesma decisão, aquele que não querer emagrecer também ou pelo menos contribuir com o parceiro(a) tenta desestimular ou em casos mais extremos, proibir de fazer uma academia por exemplo.

Existem casais, principalmente entre os homens, que ele se transforma quase que em um “espião” para saber se não está sendo traído. Bate um medo exagerado de perder a namorada ou esposa porque agora ela está com uma autoestima mais elevada e quer se tornar mais saudável e até mais atraente. Ou seja, em casos como esse se verifica facilmente a baixa autoestima deste homem. Nesse exemplo, um tipo de sabotagem bem sutil que acontece é ele convidar a namorada ou esposa mais vezes à restaurantes ou festas para que ela coma muito ou seja impossibilitada de estar na academia enquanto está numa festa. Isso também acontece muito mais do que se imagina.

Há muitos outros mecanismos sabotadores, que não serão aprofundados nesse artigo porque este se trata de uma introdução a essa temática.

  • A AUTOSSABOTAGEM E OS GANHOS SECUNDÁRIOS

Para que se possa entender os mecanismos de autossabotagem com mais profundidade, é de fundamental importância entender o que se chama de “ganhos secundários”. Esse termo é bastante utilizado pela Psicologia, e é definido como “aparentes vantagens que o nosso inconsciente encontra para nos manter em uma situação de sofrimento”(7).

O nosso inconsciente é poderoso e sempre busca nos tirar dos perigos, sendo que esse mecanismo muitas vezes nos faz sofrer.

A melhor forma de entender como se dão esses ganhos secundários é através de exemplos, que serão abordados e aprofundados a seguir.

Vitimismo e coitadismo

É comum muitas pessoas se comportarem como vítimas no intuito de chamarem a atenção e, desta forma, receberem o carinho que não receberam na infância pelos próprios pais.

Todos aqueles que na vida adulta se fazem de vítimas e coitadinhas são extremamente carentes no que se trata do afeto. Isso pode ser muito perigoso, porque essas pessoas, sem perceberem, acabam afastando possíveis relacionamentos amorosos, boas amizades, oportunidades de emprego etc.

Acontece isso por um motivo muito simples, elas se transformam em “vampiras energéticas” ou “sugadoras de energia”, dois termos também bastante utilizados tanto pela Psicologia quanto pelos terapeutas das linhas holísticas.

Como o próprio nome diz, as suas carências afetivas levam a fazer com que elas suguem a energia de outras pessoas que estão bem, o que acaba gerando desgastes e como consequência, o afastamento da pessoa que se sentiu sugada.

O processo de análise e acima de tudo, a autoanálise, é fundamental para que uma pessoa com esse transtorno consiga ter mais equilíbrio e felicidade.

Excesso de trabalho

Esse ponto tem muitas facetas, aqui tratarei apenas de algumas. Pessoas que trabalham em excesso têm como ganhos secundários o reconhecimento da empresa onde trabalham. Recebem títulos ou certificados de “empregado do ano”, “empregado do mês”, “empregado modelo” e por aí vai. Esses “prêmios” são como um banquete para o ego, que se torna inflado e preponderante.

Outro exemplo são as pessoas que trabalham demais como uma fuga dos problemas familiares, com a esposa, o esposo, com a mãe, o pai etc. Se elas trabalham o dia todo e chegam em casa exaustas, utilizam isso como justificativa para não terem que enfrentar as pessoas com quem estão em conflito, e esse é um ganho secundário bem forte.

Nessa fuga existem dois mecanismos de defesa do ego chamados negação e racionalização, bastante detalhados por Freud em vários de seus livros. A pessoa nega que precisa resolver seus problemas de relacionamento e justifica argumentando que está com sobrecarga de trabalho.

Pode ocorrer também de alguém trabalhar em excesso como uma maneira de ganhar muito dinheiro e utilizá-lo como uma ostentação, como uma forma de poder. Isso também é bastante comum e vem da infância. Muitos destes foram crianças que viveram em situações financeiras desfavoráveis, com isso tiveram muitos sonhos de consumo frustrados e ganham muito dinheiro como forma de “provar para os outros” que hoje podem comprar o que quiserem. Ou pode ser que sejam pessoas com uma autoestima deplorável e utilizem o dinheiro como forma de poder, exatamente pelo fato de o poder gerar status, respeito e reconhecimento.

Vícios no geral

Esse é um dos exemplos mais diretos e fáceis de entender. Todo vício leva a pessoa a ter algum ganho secundário, seja ele qual for. Uma pessoa viciada em drogas tem o benefício do êxtase que surge da sua ingestão. Alguém viciado em bebidas alcoólicas tem o benefício do prazer que ela traz e da sensação de “alívio” ou “relaxamento”. Viciados em sexo tem o benefícios do prazer e dos orgasmos etc.

Mas como se sabe, todo vício gera consequências danosas ao viciado. Um viciado em drogas compromete a saúde do corpo, da mesma forma que os alcoólatras. Viciados em sexo comprometem a vida em diversos fatores, principalmente os relacionamentos amorosos, viciados em compras e jogos prejudicam as próprias finanças e muitos vezes até mesmo a dos familiares etc.

O lado positivo é que boa parte dos vícios são neuroses e podem ser trabalhos em processos terapêuticos ou em análises com um psicanalista. Cabe a cada um ter essa consciência e buscar ajuda.

Generosidade excessiva

Existem muitas pessoas que são extremamente generosas e fazem tudo pelos outros, porém, esquecendo de si mesmas. Todas elas têm como ganho secundário a sensação de serem pessoas “boas” e receberem elogios dos outros.

Há um perigo muito grande em ser generoso excessivamente, porque a pessoa acaba perdendo a sua identidade e individualidade. Ela se torna a pessoa que resolve tudo e que nunca diz NÃO para ninguém. Esse tipo de comportamento costuma ser muito danoso e a pessoa sofre calada.

Quase todas as pessoas que são assim foram educadas desde a infância que não podem dizer não aos outros e que devem sempre ser solícitas. Há por trás dessa educação muita fundamentação religiosa de que só vai para o céu aquele que serve, ou que o sacrifício em nome de Jesus serve para purificar os pecados.

Essas ideias introjetadas na mente desde a infância precisam ser bastante trabalhadas e resgatadas em análise, para que a pessoa que esteja sofrendo volte a ter a sua individualidade e aprenda acima de tudo a importância de dizer não sempre que se tratar de alguma situação que seja abusiva.

Veja que o problema não é ajudar ou não ajudar, é ser colocado em situações de abuso da vontade. Equilibrar isso só trará benefícios para todos…

Casais insatisfeitos no casamento

Na sociedade atual tem crescido muito o número de divórcios e já não existe tanta rigidez quanto ao casamento ser para a vida toda, o que é algo bastante positivo, porque o ser humano muda tanto ao longo da vida, que achar que uma pessoa estará conosco por toda a vida é no mínimo questionável.

Claro que é possível um casal permanecer junto e feliz a vida toda, mas para isso é preciso sempre haver alinhamento de propósitos de vida. Sem isso, qualquer casamento está fadado a terminar em divórcio.

Existem muitos casais que estão completamente infelizes nos seus casamentos, mas permanecem juntos por diversos motivos, e esses motivos são os ganhos secundários. Um dos mais comuns é pensar nos filhos, o que infelizmente é triste de se constatar. Na realidade é o contrário, os filhos que crescem em lares com pais que se digladiam entre si, crescem com os mesmos padrões de pensamento e no futuro acabam atraindo parceiros e realidades quase que idênticas às vividas em casa. Desta forma surge um ciclo vicioso, no qual a insatisfação amorosa é passada de geração em geração.

Outro motivo são os medos dos julgamentos dos outros por ser uma pessoa divorciada. Hoje menos, mas há algumas décadas, uma mulher divorciada era vista pela sociedade quase como se fosse uma prostituta. Isso mexe profundamente com o psiquismo, gerando conflitos intensos e neuroses.

E outro motivo, talvez mais forte do que todos os outros, seja o medo da solidão. A pessoa continua com a outra por medo de não conseguir conhecer alguém mais interessante no qual tenha um relacionamento mais frutuoso e feliz.

Analisando essa situação com o olhar psicanalítico, é possível perceber que sempre se trata de problemas de autoestima e autoconfiança, que foram implantados no inconsciente desde a infância e que precisam ser trabalhados para que o paciente se torne mais equilibrado e feliz.

Problemas de relacionamento são muito delicados e precisam ser analisados com bastante calma, atenção e tempo, porque acabam interferindo em todos os outros campos da vida.

Doenças como fuga do trabalho ou como forma de conseguir atenção

Como último exemplo, coloco as pessoas que acabam adquirindo alguma doença como forma de fuga do trabalho ou como forma de conseguir a atenção dos familiares.

No primeiro caso a autossabotagem é clara. Trata-se de insatisfação com o trabalho. A pessoa não se sente feliz nele, então o inconsciente cria uma doença para que ela se afaste do trabalho por uma causa que seja justa e não seja demitida por isso. Então ela consegue um atestado médico e fica de atestado em atestado, protelando a vida e a conquista dos sonhos.

No segundo caso a pessoa é extremamente carente e sabe que sempre que fica doente alguém da família vai ficar perto e vai se preocupar, vai dar carinho, atenção e amor. Esses são os ganhos secundários, mas conquistados de uma maneira literalmente doentia.

Essas pessoas precisam passar por diversas sessões para conseguirem reverter esse quadro. Elas precisam urgentemente porque se tratam de reações completamente inconscientes. É preciso questionar esse ganho secundário com veemência. Quem em sã consciência escolheria ficar doente? Ninguém concorda? Por isso que se trata de processos inconscientes, que trazem grandes sofrimentos, não apenas à própria pessoa, mas a muitas outras que convivem com ela.

  • A AUTOSSABOTAGEM E A PREGUIÇA

 A autossabotagem também está presente em um comportamento bastante comum, a “preguiça”. Analisando e me aprofundando nesse tema, cheguei a uma constatação bem interessante: toda preguiça tem uma raiz no medo, sempre! Explico a seguir.

 Infelizmente, a maior parte das pessoas que demonstra muita preguiça em fazer algo, na realidade tem um potencial muito maior dentro de si, mas tem medo de colocá-lo para fora. É a velha questão do “peso da responsabilidade”. Sempre que buscamos fazer algo com garra e coragem, somos cobrados de “n” formas diferentes, mas quase sempre se trata de uma cobrança positiva.

Se for feita uma pesquisa sobre as pessoas que mais realizam e transformam a realidade global, são aquelas que trabalham com afinco e sem o menor resquício de preguiça.

É possível até mesmo fazer um paralelo com a importante passagem bíblica do evangelho de Mateus, capítulo 25, que fala do senhor que foi viajar e deu aos seus discípulos um, dois e cinco talentos. O que recebeu um era preguiçoso e enterrou seu talento, os que receberam dois e cinco multiplicaram os talentos e a eles foi confiado muito mais.

É aqui que está a cobrança positiva. Quem realiza muitas coisas revela disposição, competência, proatividade, e desta forma conquista muito mais, são os talentos multiplicados.

Quem é preguiçoso se sabota o tempo todo e afasta todo tipo de prosperidade da vida. Apenas o aprofundamento em consciência e nos processos mentais da infância pode fazer com que a pessoa ganhe coragem e vivacidade.

Pelo próprio nome preguiça é possível identificar outro tipo de autossabotagem bastante comum: dormir em excesso. As preguiças são animais que dormem a maior parte do dia e se movimentam com bastante lerdeza, por isso muitas pessoas chamadas de preguiçosas são também as mesmas que dormem em excesso.

Dormir demais muitas vezes é uma fuga das obrigações e desafios que o crescimento humano e profissional exigem.

Sempre observo as pessoas que convivem comigo e quando faço um paralelo entre as que realizam muito e as que realizam pouco sempre concluo que as que realizam pouco acabam dormindo mais do que necessitam. Já foi provado cientificamente que pessoas adultas precisam dormir de 6h à 9h por dia para recompor as energias e manter o equilíbrio físico, mental e emocional(8). Dormir mais ou menos do que isso pode ser prejudicial.

A produtividade está intrinsecamente ligada ao sono de qualidade, só consegue produzir bem quem descansa corretamente. Portanto, esse é outro processo autossabotador bastante presente entre as pessoas.

  • A importância de se trabalhar no que ama

Para que o mecanismo autossabotador da preguiça não seja ativado, é fundamental estar trabalhando naquilo que é da vocação, porque quando se trabalha com o que se ama, dificilmente haverá espaço para preguiça, desta forma, a possibilidade de crescer e conquistar grandes coisas é muito maior.

Neste ponto é preciso voltar ao autoconhecimento. É fato que quanto mais se conhece e se sabe dos potenciais internos, mais os processos autossabotadores vão perdendo a sua força, já que eles são sempre frutos do medo.

Quem se conhece mais profundamente afasta o medo, consequentemente a autossabotagem, e dão lugar ao amor e as virtudes mais nobres como a compaixão, a generosidade, a benquerença etc.

  • CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como foi dito anteriormente, esse artigo é apenas uma introdução ao tema da autossabotagem. Certamente há muito mais a ser dito e aprofundado, inclusive todos os pontos abordados nas páginas anteriores podem ser ainda bastante esmiuçados.

A autossabotagem está e sempre estará presente na vida de todos nós e a Psicanálise é uma ferramenta indispensável a todos aqueles que querem crescer na vida e se autoconhecer cada vez mais.

Esse artigo é uma tentativa de contribuir de alguma forma nesse processo de autoconhecimento e busca do equilíbrio, aliando a Psicanálise a um tema de grande relevância para todos.

  • REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
  1. Lima, ANDRÉ. “Por que você não para de se sabotar?”. Link de acesso: http://somostodosum.ig.com.br/clube/c.asp?id=32266
  2. Freud, SIGMUND. “Um Caso de Histeria, Três Ensaios sobre a Sexualidade e outros Trabalhos (1901 – 1905)”. Vol VIII. Edição Standard, Editora Imago.
  3. Foucault, MICHEL. “A História da sexualidade”. Vol I, II e III. Editora Gallimard, 1976.
  4. “Número de divórcios no Brasil cresce 75% em cinco anos”. Link de acesso: http://www.8tabelionato.com.br/?p=311
  5. Cairo, CRISTINA.“Linguagem do Corpo – Beleza e saúde” – Vol 2. Editora Barany. 2013.
  6. Cury, AUGUSTO. “A ditadura da beleza e a revolução das mulheres”. Editora Sextante, 2005.
  7. Lima, ANDRÉ. “Autossabotagem e os ganhos secundários”. Link de acesso: http://www.eftbr.com.br/content/autossabotagem-e-os-ganhos-secund%C3%A1rios
  8. BBC Brasil. “Confira quantas horas você precisa dormir de acordo com sua idade”. Link de acesso: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/02/150210_sono_idade_lgb

 

3 Comentários

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3 Respostas para “Introdução aos mecanismos de autossabotagem – Uma visão psicanalítica

    • Muito obrigado pelo elogio meu amigo e fico feliz que tenha gostado de ler esse artigo gigantesco! hehehe
      Você também tem seu traço de genialidade meu amigo. Aliás, vou além! Todos nós temos traços de genialidade dentro de nós, o problema é porque não investimos nisso e nos desviamos da nossa essência ao longo do caminho!
      Gostaria de compartilhar contigo um texto bacana aqui do blog no qual falo sobre isso! Quem sabe a partir da sua leitura você acabe despertando e desenvolvendo a sua genialidade não é?
      Grande abraço e continue acompanhando os textos do blog!

      Todos nós podemos ser geniais

  1. Ezekiel Bulver

    Obrigado por compartilhar esse conhecimento!

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